sábado, 14 de fevereiro de 2009

Amar

Críticos dos noveleiros, não me peguem para Cristo! Como disse no post anterior, estou descobrindo que não é bom agradar. O fato é que nunca me esquecerei da Heloísa, personagem de Giulia Gam na novela agora em reprise em "Vale a pena ver de novo" - não sou tão noveleiro assim, vai, nem me lembro do título do folhetim global.

A Heloísa de Giulia rendeu a Heloquisa de "Casseta&Planeta" e outras tantas Helôcas mundo afora. Eu fui uma dessas Helôcas, segundo as palavras de um ex-amor por quem tenho uma profunda admiração. Por anos, convivi com esse rótulo sem perceber que se tratava de um jogo inconsciente de culpa.

O apelido encontrava eco nas palavras simples de mamãe, que traduzidas para uma linguagem, digamos, mais objetiva apareceria assim: "Você não sabe amar". Talvez porque se trate do clichê "Amar, verbo intransitivo". Há quem saiba amar?

Não saber amar, nas palavras de mamãe, é exercer o amor na perspectiva da entrega. É preciso dosar o amor, racionalizar o tamanho, tirar aqui, colocar ali, dividir, exigir, trocar, mesclar. Difícil. Era isso que ela me dizia quando eu pedia que papai desse carona para todos os oito amigos que saímos juntos às sextas-feiras à noite em Marabá. Era isso que ela me dizia quando, já em Goiânia, eu ligava aos prantos para desabafar a dor do amor ocultado (a dor dela se tornaria maior do que a minha, quem queria chorar ali era eu). "Dor de cabeça", eu dizia, para em seguida vir, da boca dela, o motivo da dor revelado em substantivo, com todas as letras.

Agora eu sei a resposta, que estava, sim, embutida nas palavras da Dona Delonir, mas apenas na perspectiva errada. Coloquei o discurso dela diante do espelho e li que amar significa sentir sem esquecer-se de si mesmo. Pode ainda não ser a resposta certa, mas essa tem o efeito do remédio milagroso que cura para sempre o sofrimento. É a resposta que vem e acalenta. A resposta definitiva.

Amar sem esquecer-se de si mesmo é também amar ao outro, na medida em que passamos a percebê-lo. Então, não é preciso dosar, nem trocar, nem exigir, porque tudo que for dado não será para agradar, mas para concretizar, pura e simplesmente, a vontade de estar com o outro - não necessariamente, na presença do outro. Amar é ter consciência da mortalidade. É querer que o outro seja feliz mesmo ao lado de alguém que não seja você. Falo tudo isso para mim e por mim mesmo, para que eu não escorregue pelo caminho duvidoso do moralismo. É enxergar o descanso, o corpo, o desejo, a mente, os afazeres, os amigos do outro.

Em "Carta ao Pai", Kafka fala do amor filial como a admiração sem reciprocidade. É o filho que a todo momento é reprovado e, ainda assim, ama o pai - e, vale lembrar, nunca em função dos laços consanguíneos.

Na "Cama na Varanda", Regina Navarro Lins narra as relações amorosas de sucesso demonstrando que a afinidade é entre as mentes, com reflexo no desejo sexual - não necessariamente exclusivo. Amar, nesse sentido, pressupõe tal liberdade e partilha que exclui das regras até mesmo a monogamia. Difícil? Quem é que sabe de fato amar?

Um comentário:

  1. Nossa ! Que lindo! vc escreve muito bem.

    Com suas palavras lembrei agora de um AMOR que mal come çou na minha vida, mas que deixou dimensões que eu jamais imajei que ia deixar!!!

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