quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quero ser repórter

No ano passado, em função de dificuldades financeiras, me levei a mudar de função e horário no jornal em que trabalho. Foi uma decisão consciente, baseada na necessidade de sair em busca de mais grana para as despesas. De junho a outubro, mergulhei fundo na nova empreitada, trabalhei feito um desesperado, doze, treze, até quinze horas por dia, sete dias por semana.

Em outubro, o problema de grana estava resolvido. Contas pagas, uma boa reserva para despesas futuras, as manhãs e parte das tardes livres para fazer outros trabalhos extras. Ter esse tempo livre foi fundamental para planejar melhor os novos passos que daria dali em diante. As eleições, tema principal da cobertura do jornal, terminaram e vieram as férias de novembro.

Dezembro, janeiro, fevereiro. A vida voltou ao seu ritmo normal e, finalmente, passei a refletir melhor sobre o significado da escolha do junho passado. Uma análise mais profunda da minha "escolha" acabou me conduzindo ao inevitável: agora me descubro insatisfeito com a opção tomada. Contemplo o entusiasmo dos meus colegas de editoria com o dia-a-dia da reportagem e sinto uma saudade profunda daquela sublimação que é ser repórter.

Ir para a rua, apurar e trazer a notícia para a redação é o alimento do repórter. O lugar do repórter é a rua, disse Clóvis Rossi em "Reportagem", da coleção Folha Explica. É disso que sinto falta: de sair com o bloco em branco da redação e, ao final do dia, sentar-me diante da tela do computador e ter algo a dizer para o leitor que abrirá o jornal no outro dia. Sinto falta da repercussão, do retorno dos leitores, da sensação do serviço prestado por meio do bom jornalismo.

Esses meses distante da reportagem me fizeram perceber que, na prática do jornalismo, a única função que realmente tenho vontade de exercer é a de repórter. Quero ser repórter por toda a vida. Viver a euforia de descobrir uma boa história, a sensação de vitória ao checar um dado e concluir que ele é verdadeiro. Dar voz à defesa, à argumentação da notícia apurada. Desvendar um pedacinho do mundo.

Apurar a notícia é como catalogar uma pequena pedra no meio de um imenso rochedo. É apontar um filete de água que vai desembocar, quilômetros adiante, num rio caudaloso e depois no mar. É ajudar a definir um sentimento, despertar uma ponta que seja de indignação, responder a uma pergunta até antes ignorada.

Quero ser repórter. Por toda a vida.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O presente

À medida em que os anos passam, percebo que viver o presente não é uma tarefa nada fácil. Quando era criança, eu desejava permanentemente ser "um adulto". O desejo aumentava sempre que era privado de algo: as restrições ao Atari impostas por papai fora dos meses de férias; os afazeres de casa impostos por mamãe a todo instante; não poder ficar acordado para ver tevê porque "sentiria sono para ir à escola" no dia seguinte; até por ter de pedir permissão ao professor para ir ao banheiro durante as aulas.

"Deve ser tão bom 'poder ser' adulto"!, eu pensava. Cuidar da própria vida, sair de casa quando quisesse, a liberdade de estar na universidade, ir dormir quando bem entendesse... A perspectiva desse futuro gerava um enorme anseio por alguma maturidade. Veio a adolescência e o desejo se converteu em revolta, segundo a definição dos pais que sempre me tiveram como "tão ajuizado". Aos 14 anos, eu já decidira que sairia de casa o mais rapidamente possível. Aos 19, ainda que mantivesse a dependência financeira dos meus pais, eu já estava longe de casa e, de algum modo, cuidando da minha vida.

A projeção do futuro, entretanto, permanecia. Não ter a grana que precisava para o que considerava ser "curtir a vida" me afligia. Da mesma forma me afligiam a carreira inteira por "construir", uma relação afetiva com alguém por "construir", um patrimônio por "construir". No meio disso tudo, não havia espaço para o presente, para o instante imediato.

O tal amadurecimento vem aumentando, agora, a necessidade de viver o presente. Não na perspectiva de até então, quando a idéia de aproveitar ao máximo cada instante da vida era, uma vez mais, a projeção do futuro, na medida em que imaginava que, quanto mais vivesse, mais teria tempo para experimentar novas sensações e momentos.

Agora, as reflexões sobre o presente me fazem aprender a viver um dia sem a angústia do seguinte. Aproveitar, agora, significa viver sem projetar o amanhã e, ao mesmo tempo, sem a espera, ainda que tranquila, do momento seguinte. Nem sequer em função de sua imprevisivilidade. Essa idéia não é, até agora, algo acabado, mas é um primeiro passo importante para que meus nervos fiquem mais calmos, meus livros gritem menos na prateleira empoirada por leitura, os CDs que quero ouvir permaneçam na loja até que eu de fato tenha tempo para eles, as férias venham quando eu estiver realmente cansado, os sapatos sejam trocados apenas quando os vários pares guardados estejam gastos.

Às vezes, caminhar não significa exatamente ir em frente ou para algum lugar, mas apenas estar em algum lugar, sozinho ou acompanhado, angustiado ou calmo, livre ou preso a algo. Avançar pode não ter, principalmente, sentido algum. O presente, também não. Descubro agora que não é necessário.