quarta-feira, 8 de julho de 2009

Libertar-se

É libertador descobrir, enfim, que podemos renunciar, ora ou outra, a tudo aquilo que nos atormenta e perceber que essa renúncia não é o fim de tudo, mas pode ser um recomeço.

A pergunta é: quero me livrar do que me atormenta?

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Fixação

Por que quanto mais tento esquecer de algo mais me lembro dele?

Por que quanto mais quero fazer algo de um modo mais tenho dificuldade em atingi-lo?

Por que a vontade de poder me torna mais impotente?

Por que quanto mais eu desejo mais me deparo com o desejo impossível?

Por que quando mais quero dizer não eu sempre digo sim? E por que do vice-versa?

Por que quanto mais fujo mais rápido chego ao ponto de partida?

Por que esses porquês?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Confissão

Hoje eu quero falar do que sinto por você
Sente-se, que a estrada é longa em palavras
Feita de frases que podem assustar
Mas hoje eu quero que me as permita dizer

Sei que o amor é prosa e que os versos...
Os versos saem com dificuldade, se entrelaçam
Em frases que nem sempre consigo entender
Mas poesia talvez traduza melhor o que sinto agora

Procuro rima e métrica, que não vêm
Ah, se me desse a chance de dizer o que sinto por você
Que durmo e acordo querendo ouvir tua voz
Conto as horas para falar com você
Fico trêmulo e suado quando estou ao seu lado
Que quero te ver feliz acima de tudo

Que...

Que nada mais tem tanta graça sem você
O tempo pára quando estamos juntos
As horas tomam outro tempo
Teu cheiro me invade quando chega e me dilacera quando vai embora

Doença, neurose, esquizofrenia, podem dizer
Mas sinto e quero o direito de poder sentir, elouquecer
Sob o sussurro das palavras secretas que me dizes no ouvido
Elouquecer sob o desejo de estar sempre ao teu lado

Deixe-me amar você, meu amor
Tentar expressar, ainda que forma desconexa, o que sinto por você
Sem censura, sem medo, sem repreensões
Porque sei o que sinto, só não sei como dizer

Às vezes eu mesmo me surpreendo
Com a dimensão desse amor
Mas logo me rendo à impossibilidade de dizer não
É insanidade, eu sei, eu bem sei, meu amor querido
Mas deixe-me sentir, sem censura
Sem o crivo dos rótulos, sem o medo da perda
Sem a pecha do excesso, sem qualquer barreira

De novo nada faz sentido
Não sei o que dizer
Dizer o que? Apenas sentir
Sinto, sinto, sinto
Quero o direito de sentir

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Quero ser repórter

No ano passado, em função de dificuldades financeiras, me levei a mudar de função e horário no jornal em que trabalho. Foi uma decisão consciente, baseada na necessidade de sair em busca de mais grana para as despesas. De junho a outubro, mergulhei fundo na nova empreitada, trabalhei feito um desesperado, doze, treze, até quinze horas por dia, sete dias por semana.

Em outubro, o problema de grana estava resolvido. Contas pagas, uma boa reserva para despesas futuras, as manhãs e parte das tardes livres para fazer outros trabalhos extras. Ter esse tempo livre foi fundamental para planejar melhor os novos passos que daria dali em diante. As eleições, tema principal da cobertura do jornal, terminaram e vieram as férias de novembro.

Dezembro, janeiro, fevereiro. A vida voltou ao seu ritmo normal e, finalmente, passei a refletir melhor sobre o significado da escolha do junho passado. Uma análise mais profunda da minha "escolha" acabou me conduzindo ao inevitável: agora me descubro insatisfeito com a opção tomada. Contemplo o entusiasmo dos meus colegas de editoria com o dia-a-dia da reportagem e sinto uma saudade profunda daquela sublimação que é ser repórter.

Ir para a rua, apurar e trazer a notícia para a redação é o alimento do repórter. O lugar do repórter é a rua, disse Clóvis Rossi em "Reportagem", da coleção Folha Explica. É disso que sinto falta: de sair com o bloco em branco da redação e, ao final do dia, sentar-me diante da tela do computador e ter algo a dizer para o leitor que abrirá o jornal no outro dia. Sinto falta da repercussão, do retorno dos leitores, da sensação do serviço prestado por meio do bom jornalismo.

Esses meses distante da reportagem me fizeram perceber que, na prática do jornalismo, a única função que realmente tenho vontade de exercer é a de repórter. Quero ser repórter por toda a vida. Viver a euforia de descobrir uma boa história, a sensação de vitória ao checar um dado e concluir que ele é verdadeiro. Dar voz à defesa, à argumentação da notícia apurada. Desvendar um pedacinho do mundo.

Apurar a notícia é como catalogar uma pequena pedra no meio de um imenso rochedo. É apontar um filete de água que vai desembocar, quilômetros adiante, num rio caudaloso e depois no mar. É ajudar a definir um sentimento, despertar uma ponta que seja de indignação, responder a uma pergunta até antes ignorada.

Quero ser repórter. Por toda a vida.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O presente

À medida em que os anos passam, percebo que viver o presente não é uma tarefa nada fácil. Quando era criança, eu desejava permanentemente ser "um adulto". O desejo aumentava sempre que era privado de algo: as restrições ao Atari impostas por papai fora dos meses de férias; os afazeres de casa impostos por mamãe a todo instante; não poder ficar acordado para ver tevê porque "sentiria sono para ir à escola" no dia seguinte; até por ter de pedir permissão ao professor para ir ao banheiro durante as aulas.

"Deve ser tão bom 'poder ser' adulto"!, eu pensava. Cuidar da própria vida, sair de casa quando quisesse, a liberdade de estar na universidade, ir dormir quando bem entendesse... A perspectiva desse futuro gerava um enorme anseio por alguma maturidade. Veio a adolescência e o desejo se converteu em revolta, segundo a definição dos pais que sempre me tiveram como "tão ajuizado". Aos 14 anos, eu já decidira que sairia de casa o mais rapidamente possível. Aos 19, ainda que mantivesse a dependência financeira dos meus pais, eu já estava longe de casa e, de algum modo, cuidando da minha vida.

A projeção do futuro, entretanto, permanecia. Não ter a grana que precisava para o que considerava ser "curtir a vida" me afligia. Da mesma forma me afligiam a carreira inteira por "construir", uma relação afetiva com alguém por "construir", um patrimônio por "construir". No meio disso tudo, não havia espaço para o presente, para o instante imediato.

O tal amadurecimento vem aumentando, agora, a necessidade de viver o presente. Não na perspectiva de até então, quando a idéia de aproveitar ao máximo cada instante da vida era, uma vez mais, a projeção do futuro, na medida em que imaginava que, quanto mais vivesse, mais teria tempo para experimentar novas sensações e momentos.

Agora, as reflexões sobre o presente me fazem aprender a viver um dia sem a angústia do seguinte. Aproveitar, agora, significa viver sem projetar o amanhã e, ao mesmo tempo, sem a espera, ainda que tranquila, do momento seguinte. Nem sequer em função de sua imprevisivilidade. Essa idéia não é, até agora, algo acabado, mas é um primeiro passo importante para que meus nervos fiquem mais calmos, meus livros gritem menos na prateleira empoirada por leitura, os CDs que quero ouvir permaneçam na loja até que eu de fato tenha tempo para eles, as férias venham quando eu estiver realmente cansado, os sapatos sejam trocados apenas quando os vários pares guardados estejam gastos.

Às vezes, caminhar não significa exatamente ir em frente ou para algum lugar, mas apenas estar em algum lugar, sozinho ou acompanhado, angustiado ou calmo, livre ou preso a algo. Avançar pode não ter, principalmente, sentido algum. O presente, também não. Descubro agora que não é necessário.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Um ponto de partida

Tem dias em que estamos tão propensos à reflexão que por menor que seja o estímulo se desencadeia em nós aquele turbilhão de pensamentos e sensações que passáramos tentando ocultar.

Hoje foi assim no trabalho. Chegar à redação e encarar mais do mesmo foi a sentença de que o dia havia acabado. Escolhi o jornalismo por acreditar que, com ele, fugiria da rotina. Mas quem se arriscar a ler a reportagem que escrevi para a edição de 19 de fevereiro e em seguida resgastar os jornais de três anos atrás verá que então eu escrevia sobre o mesmo tema.

Na rotina da redação, também mais do mesmo. Os mesmos vícios de chefes, reclamações, aborrecimentos e restrições de há três anos.

É aquilo que está à nossa volta que não muda ou somos nós (eu) que resolvemos não encarar o que nos aflige e aceitamos tudo como está para não promover a mudança? E por que não encaro? Pelo medo de mudar? De errar? De querer voltar ao começo?

No filme "Foi apenas um sonho", os protagonistas têm de encarar o fato de que não conseguem abandonar suas vidas aparentemente seguras para realizar o sonho de morar em Paris. Não são as circunstâncias exteriores - filhos, casa, emprego - que os impedem de partir, mas a incapacidade de romper consigo mesmos para alterar o presente.

A mudança provoca dor. A reflexão provoca dor. Romper desencadeia dor. Para mim, a dor maior tem sido a de vencer a mim mesmo.

Deixar que esses pensamentos se manifestem tem me mostrado que quero cada vez menos aquilo que construí para mim no campo profissional. Queria estudar e fui um aluno displicente na faculdade de Jornalismo. Queria seguir carreira acadêmica e me tornei um jornalista prático. Queria viajar e aprender línguas e estou cada vez mais apegado ao ambiente em que vivo. O que resta? A resposta que vem é que permanece a vontade de mudar.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Amar

Críticos dos noveleiros, não me peguem para Cristo! Como disse no post anterior, estou descobrindo que não é bom agradar. O fato é que nunca me esquecerei da Heloísa, personagem de Giulia Gam na novela agora em reprise em "Vale a pena ver de novo" - não sou tão noveleiro assim, vai, nem me lembro do título do folhetim global.

A Heloísa de Giulia rendeu a Heloquisa de "Casseta&Planeta" e outras tantas Helôcas mundo afora. Eu fui uma dessas Helôcas, segundo as palavras de um ex-amor por quem tenho uma profunda admiração. Por anos, convivi com esse rótulo sem perceber que se tratava de um jogo inconsciente de culpa.

O apelido encontrava eco nas palavras simples de mamãe, que traduzidas para uma linguagem, digamos, mais objetiva apareceria assim: "Você não sabe amar". Talvez porque se trate do clichê "Amar, verbo intransitivo". Há quem saiba amar?

Não saber amar, nas palavras de mamãe, é exercer o amor na perspectiva da entrega. É preciso dosar o amor, racionalizar o tamanho, tirar aqui, colocar ali, dividir, exigir, trocar, mesclar. Difícil. Era isso que ela me dizia quando eu pedia que papai desse carona para todos os oito amigos que saímos juntos às sextas-feiras à noite em Marabá. Era isso que ela me dizia quando, já em Goiânia, eu ligava aos prantos para desabafar a dor do amor ocultado (a dor dela se tornaria maior do que a minha, quem queria chorar ali era eu). "Dor de cabeça", eu dizia, para em seguida vir, da boca dela, o motivo da dor revelado em substantivo, com todas as letras.

Agora eu sei a resposta, que estava, sim, embutida nas palavras da Dona Delonir, mas apenas na perspectiva errada. Coloquei o discurso dela diante do espelho e li que amar significa sentir sem esquecer-se de si mesmo. Pode ainda não ser a resposta certa, mas essa tem o efeito do remédio milagroso que cura para sempre o sofrimento. É a resposta que vem e acalenta. A resposta definitiva.

Amar sem esquecer-se de si mesmo é também amar ao outro, na medida em que passamos a percebê-lo. Então, não é preciso dosar, nem trocar, nem exigir, porque tudo que for dado não será para agradar, mas para concretizar, pura e simplesmente, a vontade de estar com o outro - não necessariamente, na presença do outro. Amar é ter consciência da mortalidade. É querer que o outro seja feliz mesmo ao lado de alguém que não seja você. Falo tudo isso para mim e por mim mesmo, para que eu não escorregue pelo caminho duvidoso do moralismo. É enxergar o descanso, o corpo, o desejo, a mente, os afazeres, os amigos do outro.

Em "Carta ao Pai", Kafka fala do amor filial como a admiração sem reciprocidade. É o filho que a todo momento é reprovado e, ainda assim, ama o pai - e, vale lembrar, nunca em função dos laços consanguíneos.

Na "Cama na Varanda", Regina Navarro Lins narra as relações amorosas de sucesso demonstrando que a afinidade é entre as mentes, com reflexo no desejo sexual - não necessariamente exclusivo. Amar, nesse sentido, pressupõe tal liberdade e partilha que exclui das regras até mesmo a monogamia. Difícil? Quem é que sabe de fato amar?

Reencontro

Os planos de comprar um carro sempre foram para mim meramente práticos: acordar mais tarde, chegar no horário - nem sempre! -, sair na hora em que me desse na cabeça e para onde quisesse ir. Eu poderia viajar! Ir a Pirenópolis, Brasília, Marabá, Porto Alegre! Bastava tempo e alguma grana (pouca, nunca precisei de muita) e lá estaria eu na estrada.

Em novembro de 2007, reuni toda a grana que tinha (pouca, afinal nunca precisei de muita) e, enfim, fui colocar o plano em prática, após nove longos anos acordando mais tarde, enfrentando o rush das superlotações e tentando chegar na hora. Àquela altura, meu pai já havia me feito desistir de comprar um modelo na cor vermelha - "É carro de playboy!" (será?) , "Dá azar!" (não diga!), "Vão riscar todinho um dia!" (acertou, pai!).

O vendedor, o Nilton - o carro saiu baratíssimo para ele, que até hoje acessa pelo menos dois jornais com as minhas senhas - não foi nada otimista: vendas em alta, o sonho do Paliozinho só viria depois de 40 dias de espera, acordando mais tarde, tentando chegar na hora, etc., etc. O martírio só seria evitado seu eu topasse levar o único carro disponível no pátio naquele dia, "é levar agora ou esperar".

Foi amor à primeira vista. No pátio da concessária estava o dito único à minha espera: o Paliozinho dos sonhos, 1.0, sem direção, sem ar-condicionado (pra que, eu pensei, sem lembrar que o primeiro conforto gera o desejo do segundo e do terceiro) e VERMELHO. Poucos dias depois, estava eu no meu carango vermelho, ouvindo "Nas curvas da estrada de Santos" na voz de Elis (Obrigado pelo CD, Alisson!), a todo volume.

E é aí que começa a jornada do reencontro. Aprender a dirigir foi o grande reencontro comigo mesmo. Começou com a auto-escola, que resolvi encarar como parte da terapia para superar uma grande perda daquele ano de 2007. Ao volante do Vermêi (nome caipira dado por mamãe), eu percebi que eu havia me deixado. No Vermêi, escutei "Bem que se quis" e me recordei da grande admiração perdida por mim mesmo. Voltei aos tempos da escola, às ladeirinhas charmosas do Jônathas Athias, na pontinha das quais eu me sentava só para ler Machado. Alencar. Augusto dos Anjos. Como era bom!

Onde eu havia me deixado? E por que? Essa passou a ser pergunta recorrente no controle do Vermêi. Dirigir foi, então, como retomar o rumo da minha própria vida. Tomar o leme nas mãos e enfrentar as ondas gigantes da vida real, dos desejos, das frustrações, dos medos. Um dos medos que lutei, então, para superar foi o de avião. E o contornei no dia em que percebi que vale sempre correr o risco de voar para poder ver o mundo lá de cima. Agora, é como se cair não fosse nada comparado à sensação gostosa do fim dos sacolejos de uma turbulência, como se cair não fosse nada comparado à visão das nuvens brancas pairando sob a curva da Terra.

Eu tive de aprender a me reencontrar. E passei a procurar as respostas e as pistas em todos os lugares, entre todas as pessoas. O que faz a todos prosseguir, não sucumbir? - eu invariavelmente me pergunto. De onde vêm a força e o carisma de mitos como JK, John Lennon, Rita Lee, Madonna, Tom Jobim, Elis, Luther King, da minha grande amiga Sílvia, da Jacinara (professora de História do colégio), da dona Neusa (a merendeira do Athias que entregou a geladeira para o pastor), da catadora de papel que me pediu "um pedaço de pano qualquer" para apaziguar o frio da filha mais nova de uma penca de cinco que ela carrega, todas as madrugadas, pelas ruas do meu bairro, o Bela Vista?

Pois foi no Vermêi que eu encontrei - na verdade ouvi - a resposta. Ela estava ali, sentada em uma ladeirinha do Jônathas Athias, não traduzida. Poderia ter saído das páginas de Machado, de Alencar, de um poema de Augusto dos Anjos. Seu efeito foi cortante, certeiro, com todas as letras, numa única frase dita sem rodeios. Ali, diante de mim, se traduziu em sujeito e predicado e em bom português, nas palavras de uma pessoa profundamente querida, o enigma:

- ESTOU MUITO SATISFEITO COM O QUE SOU PARA TER QUE AGRADAR QUEM QUER QUE SEJA.

É verdade: JK, John Lennon, Rita Lee, Madonna, Tom Jobim, Elis, Luther King, Sílvia, Jacinara, dona Neusa, a catadora de papel não me parecem ter vindo ou estar aqui para agradar.

Eis o caminho do reencontro. Vou no Vermêi ao som de "As curvas da estrada de Santos".